segunda-feira, 26 de abril de 2010

O dia em que vendi minh'alma literária

era um decorador de Campinas
com todos os atributos que
a alusão a um campineiro
sucitaria aos habitantes
das demais cidades do interior

queria livros de couro
capa marrom, vermelha ou bordô
para decorar uma choperia

fiz um preço legal
na esperança
de "desovar"
as Barsas, Miradores
e Conheceres
encalhados nas estantes

mas não
começou tirar
Paulo Setúbal
Aluízio Azevedo
Malba Tahan

eu disse que não
que aqueles não
eram livros pra serem lidos
e não uma mercadoria
decorativa de choperia

aumentei o preço
ele aceitou
levou um monte
fez um cheque

pude pagar pintura nova
faxineira
investir em livros
acertar contas
etc

mas meu coração sangrou
me senti uma judia
tocando violino pros nazistas
no campo de concentração

uma gostosa
aceitando posar pra playboy
pra comprar casa nova pra família

ou

aquela banda alternativa
que aceita tocar no Faustão

fiquei deprimida
mas o namorado comerciante
me ensinou gratidão

e aconselhou:

"Sara querida,
ao chegar no comércio
coloque o coração na gaveta,
final de tarde
você põe de volta no peito
e vai pra casa"

é isso aí
o monstro do capitalismo
tá me engolindo aos poucos...

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