Pareciam ser amigas há anos, mas só
eu sabia que não tinha sido sempre assim.
Tinham amado o mesmo homem.
Tinham sido inimigas por um longo período, trocando telefonemas malcriados,
gritos em portões e pragas ao vento.
Ele era casado com a mais nova e tinha a mais velha como amante, um amor secreto que remontava dos tempos em que ele era um adolescente e ela a mãe de um amigo de escola.
Aos sábados sua mulher, vaidosa como ela só, passava o
dia no salão de beleza. Sendo assim, ele tinha
consagrado tal dia para o que ele chamava de “dia oficial da amante”. Para a esposa e os
familiares ele dizia que era o dia de ir ao rancho de pescaria com os amigos. Alguns
sábados iam pra Pirassununga na Cachoeira de Emas, outros para Conchal, na beira
do Rio Mogi, outros para Cordeirópolis num boteco gostoso na beira da estrada
de Cascalho e, a cada dois meses, iam para Campinas, passear no Taquaral e tomar
sorvete italiano.
Naquele sábado, já na volta de Campinas, na altura de Americana,
sofreram um acidente que mudaria todo o destino daquelas duas mulheres: ele
falecera no local e ela sofrera uma lesão forte na cabeça e nos olhos o que a
deixaria cega para sempre.
A esposa, como que por
encantamento, ao invés de continuar a odiar a amante do falecido marido, foi tomada de um
sentimento profundo de compaixão e resolveu devotar algumas horas de sua semana para dar uma atenção especial e fazer companhia à antiga rival.
Era como se fosse uma forma de continuar a ter
o marido por perto, amando quem ele tinha tanto amado. Foi a partir de então que a esposa um dia traída
e despeitada, tornou-se a mais leal das amigas indo à casa da que um dia fora a razão de seu sofrimento e mágoa para ler romances, três vezes por
semana, casa esta que o
marido havia montado para a amante com as economias do casal.
Chegava ao grau mais alto ainda
de benevolência e delicadeza quando, percebendo que a amiga não estava gostando
do rumo da história, inventava passagens mais emocionantes, ou cenas mais
picantes que faziam a senhora virar os olhinhos para o alto e sorrir suspirando
de alegria.
Quando o livro acabava, vinham até o sebo escolher outro.
A vida tem dessas, vira, revira, venta
e sacode, pra depois desvirar e passar suavemente, feito brisa em noite de
verão...