quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O Romance de Romance - Terceiro Capítulo: A senhora idosa

Vivia com o marido. Um senhor aposentado do INSS, metido a sabe-tudo e cheio de contatos e amigos. Ele passava o dia pela rua conversando ou jogando dominó na pracinha do Tiro de Guerra e à noite sentava-se no sofá da sala para zapear todos os canais de notícia até que o sono chegasse. Aos sábados, alegava participar da equipe de bocha do clube e visitava sua amante de longa data: a ex-faxineira da agência do INSS, uma senhora cheia de decotes e curvas já acidentadas pelas varizes, celulites e gorduras que o tempo e a boa vida de amante tinham lhe rendido. A senhora idosa aproveitava o dia para assistir seus programas de TV favoritos e quando o marido chegava, sentava-se na poltrona da sala de estar para fazer crochê, telefonar para sua sobrinha ou ler romances que a mesma sobrinha lhe emprestava. Folheava minhas páginas com uma certa resignação, como se nada daquilo realmente importasse, mas, nos trechos mais românticos, deixava escapar um suspiro fundo, cheio de lembranças e angústias e eu podia então ler em seus olhos a desilusão de um amor não-correspondido e a dor de ter concordado com um casamento sem amor para fugir do terror de ficar para titia. Tinha ficado para titia, de qualquer forma. Uma vida à dois sem sexo tinha sido a maneira mais eficaz de evitar os filhos, que, no fundo, ela não sabia se queria ter tido ou não. A sobrinha era seu único elo afetivo com o mundo. Quando terminou de me ler, esperou chegar a manhã de sábado, colocou-me numa bolsa de couro velha, cheirando à mofo e levou-me para o Sebo Doutor Anselmo, onde fui trocado por uma revista de biquinhos de crochê para dar acabamento em panos de prato.

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