segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O Romance de Romance - Nono Capítulo: A doméstica compradeira que só gritava com o marido e os filhos

A meta de sua vida era ser patroa. Sonhava com o dia em que, vestida de seda e linho, usando sapatos de salto altíssimo, humilharia os funcionários e as vizinhas fuleiras de seu tempo de doméstica. Mas ainda era doméstica e tinha aquele marido bobão, que não tinha boca pra nada, que nem era capaz de gritar de volta quando ela gritava com ele. Aquele bola murcha que estragava aqueles moleques deixando que eles fizessem tudo o que queriam. E ela ficava de ruim, da brava e para que tudo funcionasse tinha que gritar, esbravejar, até que as coisas, finalmente, andassem do jeito que ela queria. Sua casa era pequena, seu quintal menor ainda, mas mesmo assim tinha feito o marido trazer na bicicleta uma espreguiçadeira de beira de piscina que conseguira encaixar entre o canteiro de couve e o tanque de lavar roupas. Aos domingos colocava o mini-biquíni que tinha ganhado da patroa, o chapéu de abas largas e faixa colorida que tinha comprado na Seller e lá se deitava enquanto os filhos traziam salgadinhos torcida e cerveja gelada e o marido assava uma carninha na churrasqueira improvisada. Eram esses seus momentos “Revista Caras” como ela costumava dizer. Nessas horas, mais pra imitar a patroa do que pra prestar realmente atenção em minhas páginas, me tomava nas mãos e folheava, soberba, lendo um diálogo por  vez, fingindo que tinha acompanhado a história, fingindo que se emocionava, fingindo que sabia realmente ler.

Voltei daquela casa engordurado, com marcas de copo na página inicial, com sal e pedacinhos de salgadinhos no vão das páginas.

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