Apesar da minha aparência um pouco suja, ela me escolhera
porque colecionava romances e, na sequência dos que já tinha, só faltava eu.
Sua casa parecia um show-room de loja de móveis, tudo em seu lugar, tudo
meticulosamente arrumado. Tinha namorado o atual marido por sete anos. Sete
anos de carrinho de lanche na sexta, posto de gasolina no sábado final de
tarde, boate no sábado à noite, almoço com a família dele aos domingos,
televisão domingo a tarde toda e pizza no domingo à noite, algumas vezes iam
até Campinas ou Piracicaba no shopping. Às
vezes, depois do carrinho de lanche, iam para um motel, outras vezes era no
sábado, depois da boate e outras nas tardes de domingo, com a desculpa de que
sairiam para tomar sorvete ou para andar no lago. Faziam um amor meio
animalesco, aprendido nos filmes pornográficos dos motéis e voltavam pra casa.
Sete anos nessa rotina tinham trazido certeza de que se
conheciam profundamente e de que a vida de casados seria um mar de rosas. Ela
não sabia nem fritar ovos e adorava comer fora. Ele também não cozinhava nada e
adorava a comida de sua mãe, que fazia todos os seus gostos.
Ao cabo de dois meses de casamento, a vida dos dois já
tinha se tornado um verdadeiro inferno. Quanto mais ela lia romances, mais
difícil ficava aceitar a própria realidade. Quanto mais ela reclamava, mais
grosseiro e infantilizado o moço se tornava. Duas crianças brincando de
casinha. Duas famílias em pé de guerra, cada uma acusando a outra de ter criado
mal seu filho ou filha, todo mundo metendo o bico onde não era chamado e
transformando a vida daqueles dois num caos maior do que já era.
Terminei numa mala cor de rosa (que tinha sido comprada
especialmente para a lua de mel em Maceió) juntamente com as roupas dela, rumo
à casa dos pais, pra onde ela voltou aos prantos. Três dias depois, depois de
muitas conversas secretas pelo celular (seus pais não suportavam mais o moço e
sua família), partiu com sua mala rosa
de volta aos braços do marido. Soube que nunca mais leu romances, preferiu
encarar a vida real com seus percalços e delícias, e eu, esquecido na estante
da casa dos pais dela entre um livro do Paulo Coelho e outro do Lair Ribeiro,
fui encontrado meses depois pela sua irmã caçula que, tendo herdado o hábito ou
vício de ler romances e me trocou por tantos outros no Sebo Doutor Anselmo.
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